“Quem é o cavaleiro que vem lá de Aruanda/ É Oxóssi em seu cavalo com seu chapéu de banda”. Esses versos são de “Cavaleiro de Aruanda”, composta por Tony Osanah e gravada em 1973 por Ronnie Von com grande sucesso, se tornando um dos pontos de umbanda mais conhecidos do país, ganhando regravações recentes nas vozes de Ney Matogrosso e Rita Ribeiro. Mas, numa época em que esse tipo de música não é gravada com a frequência do passado e desapareceu quase por completo da programação das rádios, ficando restrita aos terreiros, o ogan Severino Sena se uniu à maestrina Luciana Barletta, num projeto pioneiro, com objetivo transportá-las do registro oral para as partituras.
O resultado desse trabalho é o “Songbook da Umbanda – Oxóssi, Caboclos e Caboclas”, lançado no mês passado pela Madras Editora, na Bienal do Livro de São Paulo, e que já está ao alcance dos leitores nas prateleiras das livrarias, inclusive do Rio, e na internet. O livro reúne 65 pontos, com suas respectivas partituras, e tem prefácio escrito pelo músico Luiz Schiavon, ex-RPM. A ideia é que as melodias, em geral tocadas apenas por atabaques, sejam executadas também por outros instrumentos, como violão, cavaquinho, clarineta e saxofone. Mas, os mais importante mesmo é eternizar cânticos, que corriam o risco de se perderem com o tempo, não fosse o resgate ora feito.
PUBLICIDADE
— O fato de ser um trabalho inédito é muito marcante para a religião. É a primeira edição desse estilo musical. Um registro de partituras é um documento. É marcante, o início de um novo momento da religião. Espero que estimule outras pessoas a registrarem partituras. Tem muita coisa bonita, mas que vem se perdendo — lamenta Luciana Barletta, que toca piano desde os 8 anos, é formada em regência e é especialista em canto gregoriano.
Normalmente, num songbook como os muitos que existem de música popular, o ponto de partida do trabalho de elaboração das partituras é a versão original dos compositores ou a primeira gravação da música. Nesse caso, foi um pouco diferente. Como a maioria dos pontos são de domínio popular e, muitas vezes, sem registros oficiais, o jeito foi improvisar. Severino tocava e cantava, enquanto Luciana rascunhava as partituras, num trabalho minucioso que demorou dois anos para ser concluído.
Os que tinham alguma referência de autor, como “Cavaleiro de Aruanda” ou de uma gravação anterior, como o trecho “Vestimenta de caboclo é samambaia/ é samambaia, é samambaia” levada ao disco por Martinho da Vila, como o titulo de “Festa de Umbanda ”, também nos anos 1970, facilitaram o trabalho dos autores. Mas, a grande maioria tinha apenas o registro oral. O critério de seleção dos pontos foi espiritual, seguindo a linha dos caboclos, uma entidade da umbanda.
— Procuramos escolher pontos que servissem para momentos específicos do ritual, como abertura, defumação e mesclar pontos mais conhecidos com alguns mais antigos e que as novas gerações não tinham tanto acesso. Dessa forma, através do registro nas partituras, esse acesso ficou mais fácil aos umbandistas e todos que se interessarem — explica a autora .
Para Luciana Barletta, o livro tem potencial para atingir todos os públicos e não apenas os umbandistas, já que o songbook se torna a primeira referência no meio musical e ajuda a quebrar preconceitos. Na visão de Severino Sena, o outro autor, que é também professor e fundador do Instituto Cultural Tambor de Orixá, a principal vantagem do livro do livro é a possibilidade de ter um registro musical padronizado e que a partir de agora poderá ter seguido por todos.
— A gente sentia a necessidade de ter uma documentação mais apurada sobre a nossa música. Na umbanda às vezes se grava um CD, mas no geral é tudo transmitido oralmente. Isso faz com que os músicos tenham muita dificuldade de executar (as canções). Cada terreiro toca de uma forma. Por isso tivemos a preocupação de dar uma padronizada. Seguimos os toques, mas mantendo um padrão para que todos possam cantar os pontos da mesma forma — explica Severino.
“Songbook da Umbanda – Oxóssi, Caboclos e Caboclas” é apenas o primeiro de uma série de 14 livros que ainda serão lançados pelos autores, cada um dedicado a uma linha, orixás ou entidade da umbanda. O próximo, ainda em elaboração pela dupla de autores, será dedicado aos pretos velhos.
Severino e Luciana se conhecem desde 2003 e já uniram forças anteriormente com o “Umbanda in Concert”, um projeto de músicas mediúnicas que resultou inclusive em um CD. Severino é autor de outros quatros livros, entre eles “Cantando e tocando ijexá Barravento” e “Gira de Umbanda - nos Toques de Angola e Congo”, que também se destinam ao resgate musical da religião e vêm acompanhados de um registro em CD.
A editora que é especializada em livros religiosos e romances espíritas ainda planeja um lançamento oficial no Rio e não descarta a possibilidade de lançar o songbook também em Portugal, com objetivo de atingir os mercados europeu e africano. Nas livrarias cada exemplar custa R$ 34,90. Eles podem ser adquiridos diretamente na editora pelo site www.madras.com.br